Até que ponto o crescimento da população de javalis em Portugal é uma ameaça real para os agricultores e a segurança de quem anda na estrada? E como se pode controlar a sua população e evitar, entre outros problemas, acidentes rodoviários e ataques a pessoas? As opiniões divergem.
São cada vez mais as queixas por parte
dos agricultores e os relatos de acidentes rodoviários, com gravidade, que
envolvem javalis. A população de javalis está em constante crescimento. Para
travar este aumento, a caça ao javali foi autorizada pelo Instituto de
Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), inicialmente até 31 de Maio,
através de esperas diurnas ou nocturnas, com ou sem recurso a luz artificial,
dentro ou fora do período de Lua Cheia. Mais recentemente, o ICNF alargou o
prazo, entre 1 de Julho e 30 de Setembro, e autorizou a realização de batidas
com cães em culturas agrícolas afectadas pelos javalis.
Muitos agricultores e caçadores
julgarão esta medida insuficiente para combater o que consideram uma praga que
tem causado prejuízos de milhares de euros. João Carvalho, secretário-geral da
Associação Nacional de Proprietários Rurais – Gestão Cinegética e
Biodiversidade (ANPC), acredita que o problema irá persistir e que é
fundamental intensificar a caça para que seja possível gerir as populações.
As medidas adicionais do ICNF, diz
João Carvalho, que também é caçador, apenas atenuam o problema. “A realização
de esperas faz com que o crescimento não seja exponencial, mas não reduz a
população, apenas evita que cresça de forma abrupta. O que resolve o problema
são outras formas de caça, como as montarias, onde se abate um número superior
de animais e se consegue ter um impacto sobre a população”, defende. “As
esperas acabam por servir um pouco mais como protecção de determinados locais
dos estragos dos javalis, como culturas agrícolas, zonas urbanas ou jardins,
por exemplo. Para termos uma noção, numa espera está um caçador e raramente se
abatem dois ou três javalis. Nas montarias, como estão caçadores dispersos numa
determinada área em locais estratégicos, já se consegue abater um maior número
de animais.”
Para Luís Vicente, biólogo e cabeça de
lista do partido Pessoas, Animais, Natureza (PAN) em Beja nas legislativas de
2022, as montarias não são a solução: “A caça é um problema dramático que põe
em causa todas as populações em geral. A caça nunca é a solução. Cada animal
possui uma certa quantidade de energia para desenvolver as suas funções vitais.
Por causa da caça, esta energia é gasta em fugas e assim são abandonadas
crias.”
Mesmo sabendo que as montarias se
realizarem apenas entre Outubro e Fevereiro, período em que os animais não
estão no seu ciclo reprodutivo, Luís Vicente mantém a sua opinião e acredita
que a solução é a reintrodução de linces e lobos nas zonas com maiores
quantidades de javalis, para que estes tenham predadores naturais. A solução
para zonas urbanas ou agrícolas seria a esterilização ou a colocação de redes
eléctricas que evitem que os javalis entrem em zonas agrícolas, sempre
reconhecendo que estes métodos requerem um enorme investimento por parte do
Estado.
Para o PAN, o crescimento da população
de javalis não é um considerado como uma praga. “Não chamamos lhe praga. A
população animal é apenas uma praga quando interfere com outros animais; a
questão dos javalis é referente à interferência com o ser humano”, assinala
Luís Vicente.
Em defesa da caça, João Carvalho diz
que “o PAN deve estar a falar da caça desordenada, caça que não é aquela que
podemos praticar em Portugal”: “Em Portugal, a caça decorre em zonas de caça
ordenada, onde tem de haver os princípios da sustentabilidade e só se pode
caçar à medida daquilo que é possível em cada ano e em cada zona de caça.”
O representante da ANPC vai mais
longe: “Dizer que a caça é prejudicial para a conservação da natureza é um perfeito
disparate, porque nós precisamos de abater mais javalis para que a população de
javalis volte a ter densidades compatíveis com outras utilizações do espaço,
inclusivamente com a conservação da natureza.” Outros métodos de controlo, na
opinião de João Carvalho, não são eficazes. “Tudo o que são anticoncepcionais e
esterilizações não funciona. Não é possível apanhar todas as fêmeas, logo
haverá sempre reprodução. A população já é demasiado elevada, logo manter os
animais e tentar atenuar o crescimento através de anticoncepcionais seria um
desastre.”
A real dimensão das populações
Falta ainda saber, porém, quantos javalis existem de facto em território português. Por isso mesmo, em 2019, um despacho determinou a realização de um estudo a nível nacional, coordenado pelo ICNF, em colaboração com o Instituto de Investigação Agrária e Veterinária (INIAV) e uma universidade, para determinar a real dimensão das populações de javalis em território nacional. Este estudo, que a pandemia atrasou, porque as equipas não conseguiam desenvolver o trabalho de campo e visitar os locais de amostragem, ainda está a ser feito pela Universidade de Aveiro.
Intitulado “Plano Estratégico e de
Acção do Javali em Portugal”, este estudo, segundo a informação no site da
Universidade de Aveiro, partiu do pressuposto de que os javalis são actualmente
considerados “um expressivo um expressivo problema económico, social e, por
vezes, ecológico e sanitário […]
JAVALI.PT - Plano Estratégico e de
Ação do Javali em Portugal
Investigador Responsável - Rita Tinoco
Torres
Programa - Fundo Florestal Permanente
Período de Execução - 2020-09-01 -
2022-08-31 (24 Meses)
Entidade Financiadora - Fundo
Florestal Permanente
Financiamento para o CESAM - 323 400 €
Financiamento Total - 323 400 €
Instituicão Proponente - Universidade
de Aveiro
Descrição do Projecto
O javali é considerado, atualmente, um expressivo problema económico, social e, por vezes,
ecológico e sanitário. Esta adjetivação carece de um estudo rigoroso que a
justifique e que lance as bases objetivas para a sua mitigação. As nuances
espaciais relativas à gestão cinegética, densidade populacional, condição
sanitária e impacto socioeconómico da espécie carecem de um estudo nacional que
permita discernir e explicar potenciais heterogeneidades regionais. Por
exemplo, diferentes densidades populacionais e métodos de gestão podem ter
diferentes repercussões nos impactos do javali sobre a agricultura e valores
naturais.
O javali (Sus scrofa Linnaeus, 1758) é
uma espécie ubíqua no panorama nacional e europeu. A sua resiliência e
plasticidade ecológica permitiram uma rápida adaptação às alterações ambientais
que se têm registado, não apenas a nível climático, mas, sobretudo, na gestão e
uso do solo.
Em Portugal, são vários os indicadores
(e.g. número de animais caçados, prejuízos socioeconómicos) que apontam para um
aumento da população de javalis em número e distribuição. Esta tendência
necessita de uma base técnico-científica sólida que atualize o conhecimento
sobre a ecologia e demografia do javali em Portugal.
A recente evolução da Peste Suína
Africana na Europa, associada à importância económica e social da suinicultura
e ao facto de o javali ser considerado um dos mais importantes reservatórios de
doenças infectocontagiosas, consubstanciam a necessidade de um estudo detalhado
sobre o javali em Portugal.
Esta avaliação premente não deve
envolver apenas a monitorização ecológica e sanitária da população de javali,
mas também os vários aspetos e condicionantes que fomentem ou mitiguem os
contactos, cada vez mais frequentes, do javali com o Homem e o gado doméstico
em áreas rurais e periurbanas.
O sucesso da implementação do Plano
Estratégico e de Ação do Javali em Portugal é uma condição chave para a
valorização ecológica e económica da espécie, e o único meio possível para
fazer face aos desafios ecológicos e sanitários emergentes.
O Plano Estratégico e de Ação do
Javali em Portugal assenta em três objetivos chave que devem caracterizar um
plano de monitorização rigoroso e abrangente de uma população silvestre.
O primeiro envolve o conhecimento do
tamanho e da estrutura populacional.
O segundo consiste na descrição e
acompanhamento dos principais parâmetros fisiológicos, sanitários e indicadores
de condição física dos animais.
O terceiro contempla a avaliação do
habitat e dos fatores que possam aumentar ou diminuir o impacto e dimensão dos
prejuízos causados pela espécie. A compilação e análise integrada de toda a
informação gerada servirá de base para a definição de planos e estratégias
aplicadas s à gestão sustentável e mitigação dos potenciais impactos negativos
(e.g. prejuízos agroflorestais, disseminação de doenças) do javali.
Data: 2.09.2022
Links:
https://www.agroportal.pt/os-javalis-estao-debaixo-de-fogo-de-quase-todos-os-lados/
http://www.cesam.ua.pt/?menu=&language=pt&tabela=projectosdetail&projectid=1652
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