O Cadastro - Portugal em “situação de faroeste”: mais de metade do país tem terras sem dono conhecido


Portugal em “situação de faroeste”: mais de metade do país tem terras sem dono...

Diário de Notícias divulgou no passado dia 28 de setembro...

Dos 278 municípios de Portugal Continental, 153 ainda não têm registo cadastral dos seus terrenos. Ou seja: não se conhecem, oficialmente, as configurações geométricas (e a área), nem quem são os donos das terras nesses locais, que representam 55% do território. 

Sobreposição de entidades contribui para o impasse. Dos 278 municípios de Portugal Continental, 153 ainda não têm registo cadastral dos seus terrenos. 

Ou seja: não se conhecem, oficialmente, as configurações geométricas (e a área), nem quem são os donos das terras nesses locais, que representam 55% do território.


A maior parte, sobretudo de caráter rústico, localiza-se no norte do país, onde o levantamento é mais difícil por várias razões, entre as quais, aponta Paulo Pimenta de Castro, presidente da presidente da Acréscimo - Associação de Promoção ao Investimento Florestal, está a própria natureza do terreno, “composto sobretudo por minifúndios”.

No entanto, isso não justifica tudo, segundo o também engenheiro silvicultor. “Já há uma parte considerável do território cadastrado, mesmo em termos de minifúndio, que tem a ver com toda a rede de infraestruturas, como a rede ferroviária ou a rede de telecomunicações”, explica, criticando: “Na prática, era apenas preencher as partes que ficavam no meio, digamos assim, dessas retas constituídas por este tipo de infraestruturas. Não se faz porque não se quer.


Segundo o mapa disponível no site da Direção-Geral do Território (DGT), há apenas sete concelhos já mapeados a norte do Distrito de Aveiro (Paredes, Penafiel, Santa Marta de Penaguião, Mesão Frio, Peso da Régua, Lamego e Mogadouro). De resto, a carta cadastral da maior parte dos concelhos nessa região é desconhecida - e na Região Centro só algumas zonas da Beira Interior estão registadas. Tudo o resto é uma incógnita, à exceção do sul, onde a cobertura da DGT já é maior.

Rui Pedro Julião, investigador na Universidade Nova de Lisboa, acrescenta ainda que é “fundamental” e “imprescindível” conhecer a estrutura das propriedades em Portugal. Mas a “falta de capacidade financeira do Estado para investir nesse processo, aliada à complexidade do mesmo, e, mais recentemente, ao crescente desconhecimento que há sobre a propriedade”, acabam por dificultar o processo. “Ou seja”, especifica, “as pessoas foram falecendo e os herdeiros, muitas vezes, nem sabem onde se localizam as propriedades”.

Isto, diz Luís Vidigal, especialista em governação eletrónica e cronista do DN, origina uma “situação de faroeste”, em que não se sabe nada sobre esses territórios. E as implicações são várias, podendo interferir em diversas áreas, desde as “políticas de Educação à Saúde” até, por exemplo, à contratação de seguros para propriedades.

No entanto, mais do que organizar o território, o cadastro é também importante para que se possa saber quem são os proprietários, explica Paulo Pimenta de Castro. Em caso de incêndios, como aqueles que assolaram Portugal na semana passada, é importante saber “quem é o público-alvo” em cada território para que possa haver “responsabilidade” nessas zonas. Mas “não pondo aí o foco”, acrescenta o engenheiro, “pode olhar-se, até, para a questão de incentivos comunitários”. 

“Esse, de facto, é um problema” que se verifica há vários anos e que, no passado, já obrigou o Estado a fazer um parcelário para poder receber fundos da Política Agrícola Comum. “Aí tiveram de saber exatamente em que parcelas é que era um objeto de financiamento” e quando se fez o parcelário para “cereais e vinha” poder-se-ia “ter feito também o da floresta”, sendo que o parcelário não é “o cadastro propriamente dito”, mas apenas “uma indicação”. Portanto, reitera: “Não se tem cadastro porque não se quer.”

Além de Portugal, apenas a Grécia não tem também cadastro. Mas aí, explica Paulo Pimenta de Castro, “a situação é menos problemática”, uma vez que a igreja tem uma grande parte dos terrenos do país.

Governo criou estrutura para tornar o registo mais rápido

Para tentar resolver este problema, o Governo decidiu criar um sistema de informação cadastral simplificada. Tal seria feito através do Balcão Único do Prédio (BUPi), criado em 2017 como um projeto-piloto em dez concelhos, mas, entretanto, alargado a todo o país do norte e centro.

Tutelado pelo Ministério da Justiça, o BUPi funciona gratuitamente, com a adesão a ser feita pelos municípios de forma voluntária. Há, então, duas possibilidades de fazer o registo: online, no site do BUPi, ou presencialmente, com técnicos no terreno. Caso a identificação seja feita online, o processo é depois encaminhado para um técnico habilitado, que validará.

A intenção, estipulada logo aquando da constituição do BUPi (que constitui uma estrutura de missão para cadastrar o território), era garantir a “interoperabilidade” entre plataformas. Contudo, teve o efeito contrário, uma vez que o Instituto de Registos e Notariado (IRN), a DGT e a Autoridade Tributária (AT) já tinham, elas próprias, competências sobre o tema.




Terras sem dono podem passar para o Estado em 2026

Na complexa equação que é o ordenamento do território português, entra ainda um outro fator: a partir de 2026, o Governo poderá ficar com estas “terras de ninguém”. Mas, em casos excecionais, estas terras podem passar já para as mãos do Estado.

Em causa está uma alteração ao regime jurídico do BUPi, publicado em 2023, que previa que o Estado pudesse vir a ficar com estes terrenos. Segundo disse o Ministério da Justiça ao Público em janeiro deste ano, isto, se os terrenos estiverem localizados em “áreas territoriais prioritárias de intervenção”.

Em 2021, o Executivo do PS decidiu fazer um diagnóstico, estudar possibilidades e propor medidas que facilitassem a gestão dos terrenos rurais. Para isso, criou o Grupo de Trabalho para a Propriedade Rústica (GTPR). Em julho de 2023, a equipa, coordenada por Rui Gonçalves, ex-secretário de Estado do Desenvolvimento Rural e das Florestas, entregou um relatório com propostas para resolver, entre outros, o problema das terras que são herdadas após a morte dos proprietários. No documento, considerava-se que o mercado sucessório “convida ao imobilismo”, o que leva muitas vezes a um abandono de terras, e dificulta, depois, a elaboração do cadastro.

Mas, com a queda do Governo e a dissolução do Parlamento, o relatório ficou em stand-by, competindo ao atual Executivo retomar o tema. Entretanto, o GTPR cessou funções.


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Por sua vez, no Jornal Expresso de 1-10-2024, o comentador José Miguel Júdice, divulgou um artigo de opinião que refere:



No passado sábado o Diário de Notícias publicou um excelente trabalho de Rui Miguel Godinho que entre outras aspetos revela:


a) “Mais de metade do país tem terras sem dono conhecido”, é o título do texto;


b) Mais de metade dos concelhos metropolitanos (153 em 278) não têm ainda registo cadastral dos seus terrenos, situando-se isso sobretudo a Norte e Interior onde predomina o minifúndio;


c) Além da Grécia, Portugal será o único país da União Europeia sem cadastro geral;


d) Por razões burocráticas, nenhuma informação do sistema de informação cadastral simplificado do Balcão Único do Prédio (BUPi), bem implementado a Norte, de adesão voluntária dos municípios e gratuito, até agora serviu para efetuar ou atualizar o cadastro;


e) Já existe desde 2023 legislação que permite ao Estado em 2026 e em “áreas territoriais prioritárias de intervenção” tomar o controlo de “terras de ninguém”, de que se não sabe quem são os donos por ninguém as ter reclamado.


O caso desses “prédios sem dono conhecido” é muito curioso. Desde 1966 que o Código Civil (art. 1345) refere que “as coisas imóveis sem dono conhecido consideram-se do património do Estado”.


E desde o Decreto-lei n.º 15/2019 de 21 de janeiro permite-se, após um processo complexo, o registo provisório por natureza durante 15 anos de tais terrenos como adquiridos a favor do Estado, findo os quais o registo se torna definitivo.


Passado cinco anos, o Público afirmou este ano em janeiro que “o diploma ainda não entrou em operação”. E realmente parece que só quando em finais de 2025 terminar o processo do BUPi o Estado pretende começar a concretizar o diploma. Ou seja, na melhor das hipóteses temos isso terminado em 2042… se ainda sobrar alguma floresta.


Não é de admirar que o DN refira uma “situação de faroeste”. E, sem dúvida, fiquei muito mais convencido da justeza e necessidade do que propus.


Fontes/Links:

https://www.dn.pt/1965654760/portugal-em-situacao-de-faroeste-mais-de-metade-do-pais-tem-terras-sem-dono-conhecido/

https://expresso.pt/opiniao/2024-10-01-as-causas-orcamento---a-hipotese-de-kafka-8723db9c

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