Autor:
Paulo Carvalho (paulo.carvalho@fl.uc.pt)
Licenciado, Mestre
e Doutor em Geografia pela Universidade de Coimbra. Professor Auxiliar da
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, no Departamento de Geografia, e
Investigador do Centro de Estudos de Geografia e Ordenamento do Território
(CEGOT) das Universidades de Coimbra, Porto e Braga.
DESENVOLVIMENTO RURAL
Paulo Carvalho
4. A Serra da
Lousã: da perceção das dinâmicas territoriais aos “desafios” e iniciativas de
desenvolvimento sustentável
Em Portugal as
imagens contrastadas da ocupação e organização do território repartem-se entre
as polarizações territoriais e as centralidades reforçadas pelas políticas
públicas, e os territórios perdedores, quase sempre com posição excêntrica e
marginal (Jacinto, 1998), como é o caso de vastas áreas do interior do país,
que durante muitos anos perderam efetivos pelos movimentos migratórios e pelo
saldo natural negativo, e o efeito cumulativo dessas perdas causou considerável
rutura nas estruturas demográficas e sociais (Cravidão et al., 1998), tendência
que nos últimos anos não foi possível travar e muito menos redirecionar
(Fonseca e Cavaco, 1997).
A Serra da Lousã,
no seio do Pinhal Interior Norte (Centro de Portugal), é um espelho dessas
trajetórias e imagens contrastadas de desenvolvimento.
A NUT III Pinhal
Interior é uma subregião heterogénea, marcada pela diversidade dos traços
fisiográficos e geohumanos. De uma forma simplificada, parece-nos possível
identificar pelo menos dois conjuntos com características diferenciadas.
No setor
setentrional-ocidental, por entre áreas aplanadas ou suavemente onduladas, mas
sempre de pequena altitude, localizam-se os lugares de topo da hierarquia do
povoamento sub-regional, que coincidem com as sedes dos concelhos mais
dinâmicos, a saber: Lousã, Oliveira do Hospital, Arganil, Miranda do Corvo,
Ansião.
A capital regional,
a cidade de Coimbra (polo estruturante de um sistema urbano com mais de 300 mil
habitantes), interfere de forma mais ou menos significativa na alteração das
suas estruturas demográficas, económicas e sociais.
O setor
meridional-oriental, essencialmente montanhoso, dominado pelos recortes
cenográficos das serras da Lousã, Caveiras, Açor, Médio Zêzere e Cristas
Quartzíticas, com reduzidas densidades populacionais (entre 11 hab./km2, em
Pampilhosa da Serra, e 56 hab./km2, em
Castanheira de Pera), é um espaço repulsivo profundamente marcado pelo
efeito cumulativo de vários problemas: orografia acidentada; reduzidas
acessibilidades viárias (baixas densidades e medíocre qualidade das vias de
comunicação) e também a diversos serviços e equipamentos; fragilidades que
decorrem da base produtiva; baixa densidade de estruturas organizativas
formais; fragilidade da estrutura de povoamento (dominada por pequenos lugares)
e da rede urbana (de baixo nível hierárquico); decréscimo demográfico
acentuado; forte despovoamento rural e abandono da montanha; envelhecimento da
população; degradação progressiva da floresta (do carvalhal e dos soutos ao
pinhal, ao eucaliptal, às formações do tipo matos e às áreas desérticas);
elevada sensibilidade ao risco de incêndio florestal; propriedade fundiária
dispersa, descontínua e de pequena dimensão; elevado absentismo dos proprietários;
subaproveitamento dos recursos naturais: hídricos, florestais, eólicos e
paisagísticos. As orientações da União Europeia para o mundo rural revelam
importantes ruturas com a história recente da Política Agrícola Comum, em
resultado das perspetivas ambientais e territoriais de promoção do
desenvolvimento, designadamente a emergência da dimensão multifuncional da
agricultura e dos espaços rurais, o reconhecimento da especificidade dos
territórios e do seu potencial de recursos, e a adoção dos conceitos de
sustentabilidade, subsidiariedade e parceria.
Trata-se de um espaço que corre o
risco de vir a ser marginalizado e excluído das dinâmicas de transformação da
região, onde o desenvolvimento não pode deixar de considerar o voluntarismo
público (Batista, 1999).
A análise aprofundada das mudanças
e dos dinamismos territoriais recentes é fundamental para identificar e
interpretar as dimensões locais dos processos de mudança, diferenciados e com
dinamismos e velocidades variáveis, e para alicerçar as estratégias de
intervenção local, diferenciadas conforme a especificidade dos problemas e dos
territórios.
Nos territórios encravados na
montanha, na amplitude extrema definida pelos níveis locais de abandono e de
afastamento dos principais eixos de circulação e das cidades e vilas mais
dinâmicas, as linhas estratégicas de intervenção devem considerar: a criação de
emprego e a qualificação profissional dos ativos; a reestruturação do sistema
de povoamento e da rede urbana, no sentido de configurar pequenos
sistemas/eixos urbanos territoriais viáveis; o fomento da cooperação e
coordenação entre os atores públicos e privados; a definição de uma base de
pluriatividade, multifuncionalidade e de plurirrendimento; a promoção das artes
e ofícios tradicionais; a valorização dos produtos genuínos (com indicação de
proveniência e certificado de qualidade); o incremento científico da fileira
florestal, com preocupações ambientais e sociais; a proteção, conservação e
valorização do património natural e cultural (no amplo espectro das dimensões
etnográfica, arquitetónica e arqueológica); lançamento de infraestruturas
básicas e equipamentos adequados a uma boa qualidade de vida e ao acolhimento
dos visitantes (Cavaco, 1996).
No caso das sedes concelhias, mormente
as de maior dinamismo urbano (como é o caso da vila da Lousã), é fundamental
que o ritmo de crescimento dos últimos anos seja enquadrado numa estratégia
clara e inequívoca de desenvolvimento sustentável, alicerçada na capacidade de
oferta local de emprego e na fixação da população, tendo presente as diretrizes
nucleares do moderno planeamento urbano e a importância da imagem urbana, da
qualidade urbanística e da qualificação ambiental, e das acessibilidades, consideradas
como fatores de bloqueio da organização e da qualificação do sistema urbano
(CCRC, 1999-B).
A Serra da Lousã reparte-se pelos municípios de Penela, Miranda do Corvo, Lousã,
Góis, Pedrógão Grande, Figueiró dos Vinhos e Castanheira de Pera, que ocupa de
forma parcial, exceto este último onde se desenvolve totalmente.
A matriz das
freguesias serranas integra o Coentral, Castanheira de Pera, Campelo e Álvares;
nas freguesias de Vila Nova, Espinhal, Aguda, Lousã e Góis, a serrania ocupa
pelo menos metade das suas áreas.
A expressão demográfica global,
aferida no âmbito administrativo dos concelhos, assinala cerca de 55000
habitantes em 1991, dos quais menos de 15% animam os povoados serranos. As
densidades populacionais repartem-se no intervalo de variação 18 hab./km2
(Góis) - 103 hab./km2 (Lousã), em 1999.
Desde 1940 ou 1950
(ou mesmo desde o alvor da centúria), a redução dos efetivos populacionais é
uma constante, problema que se acelera e consolida desde os anos 60 (Cravidão e
Lourenço, 1994); no conjunto o decréscimo foi de um terço. Góis, Penela e
Pedrógão Grande perderam, no período 1960-1999, cerca de metade da população
residente.
Ao nível das freguesias, Coentral,
Campelo e Espinhal iniciaram o decréscimo populacional em 1911, e desde então
perderam 70% da população, como aconteceu em Álvares no período 1940-1999.
É a estrutura do
despovoamento da montanha, a recomposição da rede dos lugares viáveis, sem
determinismo demográfico na leitura geográfica, mas com preocupações na ótica
da qualidade de vida dos serranos. A estrutura demográfica é marcada pelo
envelhecimento acelerado da população e também por um desequilíbrio na
composição da população por sexos, resultado da intensa mobilidade espacial,
interna (especialmente para Lisboa) e externa (das Américas aos países da
Europa Ocidental), que envolve a população ativa mais jovem. O desequilíbrio
entre jovens e idosos é mais preocupante em Góis, Pedrógão Grande e Penela.
Os núcleos de povoamento mais
importantes coincidem com as vilas, sede dos concelhos mais dinâmicos: Lousã
(4865 habitantes) e Miranda do Corvo (2976 habitantes), na periferia ocidental
da serrania.
Na serrania, o povoamento e a
população são mais significativos no setor meridional; a vila de Castanheira de
Pera (1401 habitantes, em 1991), no topo de uma lista de quase 50 pequenos
lugares, na amplitude demográfica definida da existência mínima até menos de
três centenas de habitantes.
À semelhança do que sucede em
outras áreas do país também aqui se verifica uma progressiva terciarização da
população, embora de nível inferior, ligado frequentemente ao comércio e
serviços conectados com empresas locais, e também com alguma relação à
atividade de natureza social - saúde, educação e cultura (Cravidão, op. cit.).
No conjunto da população ativa, a agricultura/silvicultura, têm vindo a perder
progressivamente importância.
Estas características territoriais
deixam antever o posicionamento periférico da Serra da Lousã no quadro viário
regional e nacional. O interior da serrania é marcado pela rede viária
secundária: estradas nacionais, municipais e florestais.
As aldeias serranas da Lousã
formaram um grupo com identidade própria que tinha como espaço produtor a
própria Serra (Osório et al., 1989). Resultaram primeiramente da ocupação
sazonal pelos pastores (pelo menos desde o século XV), à qual se seguiu a
fixação da população durante o século XVI (Carvalho, 1999).
Aproveitando o desenvolvimento de
rechãs e a proximidade de vales, todas as aldeias serranas testemunham, pela
tipologia, pela estrutura das habitações, pelo material de construção, e pela
dimensão que apresentam, a precária economia agropastoril que dominava toda a
Serra (Cravidão, 1989).
O crescimento (natural) da população, que ocorreu do final de oitocentos até meados do século XX (Quadro 1), não foi acompanhado de um aumento da produção e dos rendimentos, o que obrigou a um progressiva mobilidade populacional (Monteiro, 1985) e, afinal, anunciou o declínio irreversível dos povoados serranos.
Dos 804 habitantes recenseados nas aldeias do coração da Serra, em 1940, metade abandonaram-na até 1960, e em 1991 residiam nos povoados serranos 46 habitantes, dos quais 22 no Candal (junto à estrada asfaltada da serra). Bemposta (1970), Franco e Silveiras (1981) são hoje “rostos de pedra” em acelerada ruína.
Vaqueirinho e Catarredor foram
ocupadas pelos “amantes da natureza” (ou “desiludidos da civilização”),
população oriunda de países da Europa Ocidental, mas também portugueses em fuga
dos ambientes urbanos, que aí praticam agricultura (biológica), criação de
gado, artesanato, sob uma certa forma de isolamento.
Entretanto, outros
valores e funcionalidades renovaram os interesses do espaço rural de montanha:
prática de desportos aventura motorizados (do tipo todo-o-terreno, incluindo
provas do calendário mundial); atletismo e ciclismo de montanha; parapente;
rede de percursos de descoberta da natureza e património cultural com apoio
logístico no interior da serrania.
Fontes/Links:
https://www.eumed.net/libros-gratis/2013/1260/1260.pdf
https://www.eumed.net/libros-gratis/2013/1260/desenvolvimento-sustentavel-serra-lousa.html
***
Li atentamente esta contribuição. Obrigado ao autor. A Vaqueirinho resta acrescentar que actualmente (há cerca de 6 anos) uma família alemã (a minha família) está a cultivar uma casa com terra para lá viver no futuro. Foi/é em parte dificultado pelas circunstâncias no local. Mas uma ligação de água da CM-Lousã está agora disponível, também para a electricidade os preparativos são concluídos pela EDP. A nossa casa foi a primeira em Vaqueirinho a ter um telefone, há décadas atrás. Isso, também, será novamente ligado. Comprei a casa há mais de 25 anos. Durante muito tempo, estive lá apenas temporariamente. Agora, em 2022, chegou finalmente o momento de reconstruir/reconstruir e já estamos ansiosos por "revivê-lo" com o nosso filho.
ResponderEliminarNessa altura, eu vivia lá sozinho com 7 cabras. Pão assado e queijo de cabra feito...apreciou o fogo do fogão. Foi uma experiência maravilhosa que me trouxe de volta para viver aqui com a minha família.
Talvez um dia eu tenha a musa e tempo para escrever mais sobre o assunto aqui.
Até lá, obrigado e saudações,
Jürgen Funke, Vaqueirinho, Casa No. 1