Divulgamos aqui, a pedido de um dos nossos Associados, um artigo, em 5 partes, de Henrique Pereira dos Santos, publicado recentemente.
os textos são longos, mas valerá a pena ler...
O
ambientalismo silencioso (parte cinco)
por henrique pereira dos santos, em 01.10.22
Os efeitos
deste ambientalismo de manada em que as ideias são indiferentes aos factos tem
implicações muito mais profundas e relevantes do que poderia parecer.
Um bom
exemplo é o que se passa na outrora cautelosa burocracia europeia.
Ursula von
der Leyen precisava de ter um pacto ecológica europeu nos primeiros cem dias da
sua investidura como presidente da Comissão Europeia, sendo razoavelmente
indiferente a eficácia do que lá está escrito, desde que ficasse claro o amor
da Comissão Europeia pela questões ambientais que os movimentos sociais,
leia-se, Greta Thundeberg e afins, conseguiam tornar visiveis.
Como boa
burocracia que é a europeia, há sempre avaliações sobre o que foi feito antes
e, em matéria de biodiversidade, as conclusões são as que são conhecidas: as
metas tomadas em diversos momentos anteriores nunca foram alcançadas.
Para mim,
um pobre homem da Póvoa, se repetidamente se vão estabelecendo objectivos que,
nem de perto, nem de longe, são cumpridos, seria preciso avaliar os métodos
usados, e tentar perceber e explicar as razões para os sucessivos desaires.
Para a
burocracia europeia não é assim.
Os
objectivos não são atingidos porque os Estados não fazem o que a Comissão acha
imprescindível, portanto o que é preciso é reforçar os processos que não deram
resultado, passando-os de voluntários para vinculativos, passando de metas mais
ou menos indefinidas como "parar a perda de biodiversidade até 2010"
(não escolhi inventar um objectivo, escolhi um objectivo concreto e formalmente
assumido) para metas vinculativas e verificáveis como "ter 10% do
território europeu sob protecção estrita em 2030" (mais uma vez, não estou
a inventar hipóteses, é mesmo isto que está aprovado).
Qualquer
pessoa com um mínimo dos mínimos de conhecimento sobre gestão da paisagem e
gestão da biodiversidade sabe que ter 10% do território nacional sem
intervenção humana (por mais voltas que se dêem para alargar o conceito de
"sem intervenção humana" de maneira a que se possa dizer que é sem
intervenção humana, mas se possa intervir) é, para além de uma impossibilidade
prática, uma grossa asneira técnica.
O que não
faltam são pessoas responsáveis, quer na administração, quer na academia, quer
nos movimentos sociais, que reconhecem que de facto não faz sentido nenhum ter
este objectivo, desde que seja em privado.
Sem
surpresa, desde 2019, quando foi apresentado, até hoje, três anos depois, ainda
não se passou das discussões semânticas sobre o que quer dizer "sem
intervenção humana".
O
reconhecimento é sempre feito em privado, no que escrevem e dizem publicamente,
afastam-se do confronto dizendo que, independentemente do que cada um possa
pensar, é uma política europeia aprovada por todos, portanto não faz sentido
contestá-la, passando a dispender o seu tempo, como Sísifo, a carregar uma
pedra que sabem que, antes de chegar ao destino, vai de novo rolar para o ponto
de partida.
Em 2030,
quando se fizer a avaliação de resultados, lá estaremos a discutir formas mais
eficazes de impor o mesmo objectivo, com os mesmos métodos, porque é evidente
que as medidas são positivas para a conservação, a realidade é que está errada.
A simples
constatação de que modelos de intervenção pública como o de Greta Thundberg,
simplistas, unidireccionais, assentes em histriónicos juízos morais,
diabolizando a economia e as motivações das pessoas comuns, sem qualquer
consideração pela complexidade da realidade, é arrumada para debaixo do tapete,
tratando-a como uma mera reacção dos interesses contra a perda dos privilégios
das classes dominantes que beneficiam do status quo que não aceitam alterar e
nos está a conduzir ao abismo.
Mais que a
pobreza material a que a irracionalidade dá origem, é mesmo a pobreza
intelectual da discussão dentro do movimento ambientalista que me entristece
("a nossa casa está a arder", dizem eles): tanta gente com boas
cabeças, com bons instrumentos de análise, com boas condições de trabalho,
agachada atrás do sofá por ter medo dos anátemas a que se arriscam se se
limitarem a dizer que talvez seja boa ideia baixar o tom da gritaria e olhar
para a realidade com mais atenção e rigor.
Será assim
tão difícil dizer que pretender ter 10% de Portugal sob protecção estrita não é
só é estúpido em si mesmo, por não contribuir grande coisa para a conservação
da biodiversidade, como é estúpido porque corresponde a gastar recursos a
tentar materializar uma impossibilidade prática?
Na
prática, em que é que se traduz este ambientalismo de manada, em que discussão
sobre a melhor forma de intervir sobre realidades complexas foi substituída
pela fronteira moral que separa os "bons" dos "vendidos aos
interesses"?
Uma
história recente ilustra bem o resultado prático das opções que têm vindo a
dominar o movimento ambientalista (que, volto sempre a insistir, é muito mais
diverso do que se poderia supor a partir do que se ouve comummente por aí).
Depois dos
fogos de 2017, houve umas quantas iniciativas para alterar estruturalmente as
condições que estão na base desses fogos.
O Estado
entreteve-se a tomar decisões administrativas, como proibir o aumento da área
de eucalipto, ou a fazer planos e papéis afins, com especial destaque para os
Planos de Transformação da Paisagem, uma matriosca de planos, operações,
estratégias e as coisas do costume em que o Estado se entretém nestas
situações. Cinco anos depois, nada disso tem qualquer tradução no terreno: nem
a área de eucalipto alterou as suas tendências, nem há qualquer indício de que
haja qualquer tendência diferente na evolução das paisagens.
Outros
actores tomaram decisões filantrópicas, como a Jerónimo Martins, que resolveu
apoiar um projecto de florestação em Arganil, e outras coisas que tais. Menos
mal, há coisas a acontecer no terreno, é cedo para saber a sua sustentabilidade
a prazo. Sempre são coisas melhores que as iniciativas desgarradas de
plantações de árvores, sem associação a qualquer plano de gestão de longo
prazo.
As
celuloses, através da sua associação, a CELPA, entendeu empenhar-se na melhoria
da gestão de áreas de produção de eucalipto, suponho que também apertada pela
dificuldade em ter novas áreas de produção eficiente de eucalipto, face ao
puzzle administrativo e legal que rodeia da produção de eucalipto que liquida a
produção racional e legal e potencia a produção irracional e ilegal. Para isso,
pretende mobilizar proprietários, financiando operações iniciais de plantação,
de acordo com projectos que visam contrariar o abandono e a falta de gestão. Há
execução de alguma coisa no terreno, embora seja difícil saber como vão evoluir
os projectos porque, aparentemente, não está definido o modelo de compensação
entre proprietários que permita aos que têm produções economicamente viáveis
financiar as áreas dos proprietários que cederam áreas para outras produções
que não o eucalipto.
O problema
central na gestão do fogo, de acordo com a melhor ciência que existe sobre o
assunto neste momento, é o abandono e a falta de gestão, mas o movimento
ambientalista escolheu concentrar-se no eucalipto (e, marginalmente, no
pinhal), como maus da fita (tal, como aliás, fazem alguns dos consultores e
investigadores a quem o Estado resolveu entregar o desenvolvimento dos tais
planos de transformação da paisagem).
Como o
inimigo são as celuloses, o movimento ambientalista é muito passivo em relação
à ineficiência do Estado ao fim destes cinco anos, mas muito sensível ao que
está a ser feito pelas celuloses.
É este o
contexto em que começam a aparecer notícias sobre o projecto "Replantar
Pedrogão", um dos quatro projectos apoiados pelas celuloses, já executado
no terreno, envolvendo várias dezenas de proprietários, e formalmente
apresentado pela associação florestal que, por isso, ficou responsável formal
pela execução do projecto.
Desde
sempre é muito claro que se trata de um projecto promovido pelas celuloses, que
não é a Santa Casa da Misericórdia, e alinhado com os seus interesses de
abastecimento das suas fábricas.
Nas
notícias de Agosto, uma associação ambiental, a QUERCUS, e uma fraude, a
Acréscimo, acusam as celuloses de andarem a enganar toda a gente apresentando
um projecto que prevê a plantação de medronheiros e depois plantam eucaliptos.
Os factos
eram claros: em cerca de 130 hectares de projecto, havia uma desconformidade em
quatro hectares.
O ICNF fez
uma verificação da situação, levantou um processo de contra-ordenação à
associação florestal (quem tinha formalmente apresentado o projecto de
florestação) por ter verificado que dois proprietários, nas partes que lhes
diziam respeito, tinham feito coisas diferentes do previsto.
Sem
surpresa, o movimento ambientalista esquece os factos, e perante o levantamento
do processo de contra-ordenação, volta a fazer mais uma manobra de propaganda
que visa atacar as celuloses, e não os problemas reais com que estamos
confrontados como sociedade.
Posteriormente
a CELPA fez um levantamento total da execução do projecto, e verificou mais
algumas desconformidades como uma redução de áreas de circulação porque o
proprietário resolveu que ainda tinha espaço para mais uma fila de eucaliptos,
não prevista no plano, mas que o proprietário entendeu que era espaço
desperdiçado (só quem nunca executou projectos, em especial projectos deste
tipo, espera que não haja discrepâncias nenhumas entre previsto e executado).
Grande
parte destas desconformidades de projecto, em especial os quatro hectares de
eucaliptos indevidamente plantados, estão hoje corrigidas ou em vias de o ser.
Por influência
deste escrutínio público, com certeza, não é esse escrutínio que está em causa,
é a forma como se manipulam os factos que se verificam nesse escrutínio, com o
objectivo de impor opções a terceiros.
Em que é
que este projecto, que é do interesse das celuloses, se cruza com o interesse
público?
Sendo o
problema central dos fogos o abandono e a falta de gestão, qualquer projecto
que traga gestão para zonas em sério risco de abandono, é um projecto útil
(pode ser melhor ou pior, ter coisas mais ou menos aceitáveis, mas a ideia base
é a de que é um projecto socialmente útil).
Para uma
parte relevante do ambientalismo, o problema é o eucalipto, portanto qualquer
projecto que se baseie na produção de eucalipto, é um projecto para abater,
mesmo que o resultado seja mais abandono, mais pobreza e um padrão de fogo
socialmente inaceitável.
E esta
cisma é de tal maneira profunda, que mesmo uma fraude como a Acréscimo, uma
associação uninominal de uma pessoa sem qualquer credibilidade técnica e ética,
consegue manipular uma quantidade enorme de ambientalistas para quem os factos
não interessam nada, desde que haja a possibilidade de fazer andar a sua agenda
pré-definida.
Farei
ainda uma quinta parte sobre como o ambientalismo silencioso é um problema
global, influenciando a forma como burocracias poderosas, como a da União
Europeia, acabam a tomar decisões completamente irracionais, para responder a
este ambientalismo de manada, que se afirma pela superioridade moral de estar
"livre de interesses", o que o torna evidentemente vulnerável a
qualquer escroque que resolva apresentar-se como um corajoso defensor da
"linha justa": quando se impede que os factos influenciem as nossas
ideias, é muito fácil que terceiros nos levem a moldá-las a partir das fantasias
mais infantis.
O
ambientalismo silencioso (parte três)
por henrique pereira dos santos, em 27.09.22
Mas e
tantos ambientalistas e investigadores (de várias áreas científicas) podem
estar assim tão enganados?
Sim,
podem.
Comecemos
pela questão da competência dos investigadores (de várias áreas científicas).
Eu posso
ser o maior especialista de Linaria ricardoi do mundo e não saber nada das
práticas agrícolas que favorecem a espécie nem dos factores económicos e
sociais que as influenciam, desconhecendo por completo como está a evoluir o
mercado de azeite, para dar um exemplo.
Posso
dizer, por exemplo que aparece em "Searas, pousios e prados em olivais
tradicionais ou montados, raramente em taludes e bermas de caminhos. Em solos
calcários.". Posso mesmo acrescentar que é um "Endemismo restrito à
região de Ferreira do Alentejo, Beja, Cuba e Serpa. Embora possa ser localmente
abundante em alguns locais, as alterações de uso do solo (intensificação) nesta
região constituem uma séria ameaça à sua persistência.", sem registar que
se referem os solos calcáreos na descrição da sua ecologia e depois se descreve
a sua localização numa zona em que os calcáreos são relativamente raros (as
duas coisas podem não ser contraditórias, a Linaria poderia estar situado nos
poucos calcáreos da região).
Ao mesmo
tempo, a lista vermelha da flora justifica a alteração do seu estatuto de
ameaça de "quase ameaçada" para "em perigo", entre outras
razões, porque existe "uma redução populacional superior a 30% suportada
pelo quase desaparecimento da planta dos Barros de Beja".
Nestas
circunstâncias, a minha opção mais natural, tanto mais que sendo o maior
especialista do mundo na espécie forçosamente sei que há muita coisa que não
compreendo na ecologia da espécie, é uma opção de precaução: proibir tudo o que
possa afectar a espécie, incluindo eventuais núcleos que eu desconheça, ou seja,
o melhor é parar de expandir o olival intensivo e manter os usos tradicionais.
Porque o
que sei é de Linaria ricardoi, não vejo a menor contradição em ser contra o
regadio, cuja principal razão para se expandir é a falta de competitividade dos
tais usos tradicionais. A proibição da expansão do regadio não garante que os
usos tradicionais se mantenham, pelo contrário, o mais natural é que sejam
abandonados, diminuindo as perturbações que tornam possível a sobrevivência da
Linaria ricardoi (embora com ganhos para a renaturalização dos sistemas
naturais, mas nesses sistemas a Linaria ricardoi tem condições de sobrevivência
muito dificeis, porque vive de aproveitar a perturbação dos sistemas, o que é
verdade para outros grupos, como as aves estepárias, por exemplo).
Fechado
nas minhas certezas, é difícil que me chegue aos ouvidos a história de um
grande produtor de olival superintensivo que comprou sete hectares abandonados
há mais de dez anos, sem Linaria ricardoi e sem qualquer valor natural
relevante, era um terreno que estava por ali, com um valor social marginal ou,
usando a terminologia tradicional, não dava palha nem dava espiga.
Depois das
tramitações administrativas e legais, dá-se início às operações para trazer
esses sete hectares para o olival intensivo e é feita uma gradagem em todo o
terreno. Porque a vida é como é, nada correu como planeado, não havia plantas
disponíveis para a plantação, e o terreno, depois de gradado, ficou à espera de
melhores dias.
Para
surpresa para todos, os especialistas na Linaria ricardoi e os produtores de
olival superintensivo, depois de uma Primavera, todo o terreno está coberto de
outras coisas antes desconhecidas no local, incluindo Linaria ricardoi e outras
oportunistas que gostaram da perturbação que não tinha existido nos últimos dez
anos.
Algumas
peripécias depois, os sete hectares continuam a integrar a área do grande
produtor de olival intensivo, mas agora como um banco de sementes para
projectos de gestão, conservando-se a Linaria ricardoi e companhia, sendo
possível ao produtor, porque gere muito mais área de olival superintensivo,
manter esses sete hectares como área de conservação, com gestão activa, se for
caso disso, para manter o nível de perturbação favorável à Linaria ricardoi. Ao
contrário do que aconteceria se se pretendesse impor administrativamente usos
tradicionais que o mercado não valoriza o suficiente para que o gestor mantenha
o nível de gestão que, teoricamente, garantiria a conservação da espécie.
Portanto,
o primeiro ponto (os outros serão rápidos) está fixado: o facto de se ser o
maior especialista num assunto (uma espécie, motas, parafusos, pão, camisas,
seja qual for o assunto), diz muito pouco sobre a minha capacidade para
integrar esse conhecimento num processo de gestão que seja socialmente útil.
O segundo
ponto é muito rápido porque vou remeter para um post meu anterior, sobre como
um investigador inegavelmente considerado, pode acabar a dizer disparates sobre
um assunto que não estudou, mesmo que esse assunto se relacione com a sua área
de investigação.
E chego ao
terceiro ponto, conclusivo, que o post vai longo: o que a ciência diz sobre os
impactos ambientais dos eucaliptos, é uma coisa, o que diz o movimento
ambientalista, é outra, o que a ciência diz sobre o glifosato é uma coisa, o
que o movimento ambientalista diz, é outra, o que a ciência diz sobre a relação
entre espécies de árvores e fogos, é uma coisa, o que o movimento ambientalista
diz, é outra, e há mais assuntos em que é igual (regadio, nitrificação de
solos, agricultura intensiva, agricultura biológica, pastoreio, etc.).
Mesmo que
a ciência e o movimento ambientalista dissessem as mesmas coisas - uma hipótes
muito pouco plausível, nem a ciência, nem o movimento ambientalista são
monolíticos - isso não alteraria o essencial: as opções de desenvolvimento
social são opções políticas, preferentemente influenciadas pelo melhor
conhecimento disponível, mas cujo processo de decisão será sempre um processo
complexo em que os governos e os sábios contam muito menos do que pensam.
Que a
ciência diga que o regadio, na mesma parcela, é incompatível com a conservação
da Linaria ricardoi, é pacífico.
Que a
partir dessa constatação se defina qual é a melhor forma de conciliar o regadio
e a conservação da Linaria ricardoi é que já não é do domínio da ciência, é do
domínio da política, ou seja, da arte do possível, democraticamente legitimada.
O
ambientalismo silencioso (parte dois)
por henrique pereira dos santos, em 26.09.22
Talvez
seja útil confrontar as declarações do Senhor Secretário-Geral da ONU com os
dados existentes, como forma de começar este post.
Disse
António Guterres, a propósito das cheias no Paquistão, que terão provocado à
volta de 1500 mortes: "I have never seen climate carnage on the scale of
the floods here in Pakistan."
Agora os
dados de um século para o conjunto de desastres naturais, incluindo cheias.
E comecei por aqui porque esta é a outra face da visão moralista e conspirativa do mundo, a da pura manipulação.
Não tenho
nenhuma dificuldade em aceitar que a afirmação de Guterres seja sincera e
verdadeira: nunca terá visto cheias maiores e mais letais que as do Paquistão
neste ano.
Guterres
sabe perfeitamente que o que vê é uma pequeníssima parte do mundo, no espaço e
no tempo, e sabe perfeitamente que ninguém, na posição dele, trabalha apenas
com o que vê, sendo impossível que desconheça as estatísticas que estão acima.
O que está
em causa, no movimento ambientalista - o movimento ambientalista está longe de
ser monolítico, é tão diverso que até me inclui a mim, sempre que nestes post
escrever "movimento ambientalista", estou a generalizar a partir
daquilo é que a sua corrente dominante -, sempre existiu no mundo e pode ser
muito bem avaliado a partir da evolução do marxismo e suas evoluções.
Rosa
Luxemburgo é uma das fundadoras do partido social democrata alemão, mas já nesse momento de fundação pertencia à
sua corrente mais radical, que a levou a afastar-se e a morrer assassinada,
depois de uma vida dedicada à revolução.
À medida
que a complexidade da realidade se impõe no quotidiano de quem tem de tomar
decisões, há sempre quem considere, uma vez ou outra com razão, todos os
desvios em relação ao mundo ideal como cedências "aos interesses".
Esse foi o
caminho que levou ao grupo Baader-Meinhoff ou às Brigadas Vermelhas, e a muitos
outros grupúsculos radicalizados, a maior parte dos quais sem consequência de
maior para a sociedade, felizmente.
É
impossível não ver sombras deste processo nisto: "“Para que é que estamos
a ir às aulas, se não temos um futuro?”, pergunta Teresa Núncio, questionando o
statu quo que se vive, em que se estuda e trabalha como se o futuro estivesse
assegurado, apesar da progressão actual das emissões de CO2 (se nada for feito,
a temperatura média da Terra facilmente aumentará três graus, com consequências
devastadoras). “O absurdo é a normalidade”, constata. Porquê? “Porque é um
sintoma de que as pessoas não estão conscientes em relação ao estado da crise
climática”, diz a estudante, que também está a ajudar a preparar a ocupação no
estabelecimento de ensino que frequenta, a Faculdade de Ciências Médicas da
Universidade Nova de Lisboa."
Está cá
tudo: a infantilização da argumentação ("para quê estudar se não temos
futuro"), a troca da racionalidade cartesiana pela emoção, a crítica aos
que não seguem a "linha justa" e a conclusão de que é preciso agir,
mesmo que temporariamente contra a maioria, para benefício de todos.
Estamos
ainda longe da defesa da violência sobre alguns como forma de atingir a
felicidade para todos, mas os passos que o movimento ambientalista está a dar,
estão a ir nesse sentido: "Neste contexto e tendo em conta as limitações
das greves enquanto forças de mudança, o manifesto publicado no The Guardian
anunciou uma nova táctica: a ocupação de escolas e universidades feita por
estudantes durante os meses de Outono."
E,
naturalmente, há opções a fazer.
A minha
opção é claramente diferente da de António Guterres.
"No
entanto, de 2020 para cá, as emissões de CO2 voltaram aos valores
pré-pandémicos, catástrofes naturais, como as mais recentes cheias no
Paquistão, continuaram a suceder--se e a invasão russa da Ucrânia produziu uma
guerra e uma crise energética que, nos próximos meses, ameaça tornar-se uma
crise social europeia de grandes proporções. Ao mesmo tempo, as grandes
empresas petrolíferas arrecadaram tamanhos lucros que, no início de Agosto, o
secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, acusou-as de uma
“ganância grotesca”."
No que
conseguir e me for possível, tenciono manter-me no campo da racionalidade
cartesiana e dos factos, matéria para o terceiro post sobre este assunto, entre
outras razões por ter visto até onde nos levou a manipulação da informação como
instrumento para obter um valor maior, praticado de forma sistemática pelos defensores
dos amanhãs que cantam.
O
ambientalismo silencioso (parte um)
por henrique pereira dos santos, em 25.09.22
Por
coincidência, tinha intenção de fazer uma crónica sobre um dia dedicado a
questões ambientais, e hoje o Público tem duas páginas sobre Rachel Carson, em
que, sem surpresa, lá aparecem os comentários de Viriato Soromenho Marques,
para ilustrar a tese do tal post que tinha intenção de fazer.
Pediram-me
(a mim e a mais um monte de pessoas, não sei com que critérios, nem isso me
interessa muito), para comentar um plano de gestão de valores naturais de uma
empresa. Para isso, a empresa organizou uma sessão, no campo, mandando
antecipadamente o documento que queria discutir.
Tudo
normal, portanto, para mim.
Mas não
para uma das pessoas que estavam presentes que fez questão de dizer, no fim,
que embora depois se tenha esbatido essa ideia, a sensação de partida era a de
que a empresa a estava a usar.
Por lhe
pedir umas horas de trabalho gratuito, o que eu compreenderia?
Não, era
mesmo porque, achando-se a pessoa em causa muito importante (não o disse,
claro, é a minha interpretação), a empresa só poderia estar a convidá-la para
fazer o que agora se chama greenwashing.
Confesso
que nem percebi a lógica do raciocínio: a empresa está a fazer um documento
interno para ter melhores práticas de gestão dos valores naturais nos milhares
de hectares que gere, contrata uns consultores para os ajudar a fazer o plano,
pede a um conjunto de pessoa diversificado que comentem o plano para o rever e
melhorar, e uma das pessoas convidadas, imediatamente, se sente usada e
envolvida num processo de greenwashing.
Note-se
que a empresa não fez uma sessão pública, não tinha jornalistas metidos ao
barulho, mandou o plano a pessoas cuja opinião considerou útil ouvir, não pediu
nada em troca - para além da leitura do plano e umas horas de uma sessão no
campo, a quem, por cortesia, serviu um almoço normal e no fim deu um saquinho
com três produtos da empresa -, mas há quem, imediatamente se sinta a ser usado
para esverdear a imagem da empresa.
De onde
vem isto?
Exactamente
de uma visão moral do ambientalismo que Viriato Soromenho Marques sintetisa
maravilhosamente num dos seus comentários sobre Rachel Carson e o seu
"Primavera Silenciosa", publicado há sessenta anos: "Rachel
Carson mostrou muita coragem nos anos 60 - e ainda hoje há poucas pessoas que o
fazem - que, se analisarmos, dos departamentos e institutos que trabalham na
área dos insectos [nos EUA], só 2% se focam em controlo biológico (controlo
natural das pragas), sendo que os restantes 98% recebem financiamento da
indústria química. E esta entrada em cena do dinheiro faz toda a
diferença".
Passemos
por cima do facto de Viriato Soromenho Marques estar a dizer que o que diz
resulta de quem lhe paga, visto ser esse o critério que usa para falar de
terceiros, e note-se como esta formulação elimina toda a discussão racional
sobre o uso de químicos: são intrinsecamente maus e se, por acaso, houver
investigação que diga o contrário, é porque é financiada pelos interesses da
indústria química.
Esta visão
conspirativa do mundo é muito, muito generalizada, ao ponto da jornalista que
faz o artigo varrer para debaixo do tapete o maior problema criado pela
publicação de "Silent spring" e de toda a manipulação emocional
associada ao uso de químicos (curiosamente, só na agricultura, quando se trata
da química da saúde, há sempre muita teoria de conspiração sobre os interesses
da "Big Farma", mas ninguém se lembraria de dizer que só uma
percentagem mínima da investigação é que se dedica à homeopatia, ou à
acunpuntura, ou outra coisa qualquer que se queira escolher, e por isso a
investigação farmacêutica não é válida, porque a "entrada em cena do
dinheiro faz toda a diferença").
"O
DDT era apresentado como uma panaceia para a malária em países africanos - e,
por isso, os detractores acusaram Rachel Carson de "assassinar"
milhões de crianças afectadas pela doença".
Mais uma
vez, deixemos de lado o facto da jornalista que escreve sobre o assunto não
saber que a malária não era um problema dos países africanos, mas um problema
quase global, que apenas poupava as regiões demasiado frias para que o vector
da doença se aguentasse.
O controlo
da malária em países pobres foi fortemente prejudicada pelas restrições no uso
do DDT, morrendo muito mais gente anualmente de malária que pessoas afectadas
pelo DDT desde a sua invenção, mesmo nos anos de uso desregrado do DDT, sem
qualquer consideração pelos seus efeitos secundários.
A
Organização Mundial de Saúde ainda hoje apoia o uso de DDT no interior de casas
nas regiões onde a malária é um problema maior (ainda hoje morrem milhares de
pessoas de malária e outras doenças em que o DDT pode ser útil, enquanto
componente dos programas integrados de gestão do vector dessas doenças),
coerentemente com o facto da convenção sobre pesticidas persistentes (convenção
de Estocolmo) ter uma excepção para o seu uso por razões de saúde.
Rachel
Carson tinha razão quanto ao facto de ser necessário mais conhecimento sobre
tecnologias novas, mais controlo independente do seu uso e sobre o facto dos
poluentes persistentes se espalharem nos ecossistemas, com problemas ambientais
potenciais muito relevantes.
Não tinha razão
nenhuma sobre a forma como se deve lidar com isso (todas as suas previsões
sobre o futuro, mais ou menos como acontece com qualquer pessoa que resolva
descrever hoje o que vai acontecer amanhã, revelaram-se grosseiramente
erradas), ao pretender que a solução era não recorrer aos químicos de síntese e
diabilizar os interesses dos que ganham dinheiro criando soluções para
problemas reais.
No fundo,
um bocado como o que define o ponto de ruptura entre a parte do movimento
ambientalista de que faço parte (em qualquer caso, ultra-minoritária) e a
generalidade do movimento ambientalista (o tal das teorias de conspiração)
sobre o regadio.
Para a
esmagadora maioria do movimento ambientalista, o regadio e, genericamente, a
intensificação agrícola (um bocadinho selectiva, é muito divertido ver a
diferença de encarnecimento contra o olival intensivo por comparação com a
razoável complacência para com a vinha), deve ser combatido na raiz,
defendendo-se o montado, a produção extensiva de alimentos e outras coisas que
tais que conhecemos há duas ou três gerações.
Não
consigo perceber como ao introduzir água e nutrientes, ou seja, aumentando a
produtividade primária, que o mesmo é dizer a base das cadeias tróficas, se
obtêm sistemas piores ou com menos opções.
É verdade,
é nessa parte em que estamos todos de acordo, que ao intensificar o uso
agrícola (ou florestal) estamos a simplificar sistemas (desde sempre, desde que
deixámos de ser caçadores-recolectores, portanto muito antes do capitalismo e
da "entrada em cena do dinheiro"), e que nessa simplificação se perde
diversidade.
Ganhamos
riqueza, morremos mais tarde, alimentamo-nos melhor, somos mais a usar o
engenho humano para gerir melhor as nossas vidas e o nosso mundo, somos mais
criativos, vivemos vidas com mais liberdade, ou seja, há benefícios decorrentes
das tecnologias, incluindo a química, com largo destaque. Gostaria de sublinhar
esta contribuição da química para a nossa qualidade de vida para contrariar a
ideia de que para se ser ambientalista é preciso ser quimiofóbico (embora isso
não pareça incoerente com o facto de se defender que o uso de contraceptivos
químicos foi fundamental para redefinir o papel das mulheres na sociedade).
Se, para
ter tudo isto, temos de simplificar sistemas e perder valores que não queremos
perder, o que temos é de melhorar os nossos modelos de gestão, usar melhor o
génio humano, para reintroduzir complexidade nesses sistemas, mantendo os
benefícios que resultam do facto de sermos capazes de manipular a água e os
nutrientes para aumentar a produtividade dos sistemas.
Comigo não
contam para a posição dominante no movimento ambientalista, que essencialmente
é uma posição reaccionária de medo da mudança e de recusa da tecnologia.
Tenho
muito respeito pelas comunidades Amish, que se mantêm fiéis aos seus valores,
mas eu não partilho esses valores: eles que vivam como entenderem, e que me
deixem a mim viver como entender.
Links:
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