Ainda a propósito dos tristemente celebres cortes rasos na Serra da Lousã...
A CNN divulgou entrevista com José Serra, o proprietário da Silveira Tech, sobre a simplicidade do processo de intervenção dos madeireiros, através dos Manifestos de Corte, e sobre a intensificação, nos últimos anos, de cortes rasos em muitas áreas”, que Domingos Patacho, engenheiro florestal da Quercus, que atribui ao aumento da capacidade industrial. “Ou seja, há mais fábricas a precisarem de madeira e isso nota-se, porque, além das serrações tradicionais e das fábricas de celulose, nota-se que há muitas fábricas, principalmente de pellets, para energia, que consomem toda a madeira que conseguem comprar”, independentemente da espécie, complementa.
Seguidamente, transcrevemos aqui a referida reportagem/entrevista.
"É muito fácil cortar árvores em Portugal": José foi surpreendido no seu próprio terreno e agora quer mudar a lei
José Serra acredita que, como ele, “há dezenas e dezenas de casos por todo o país” de proprietários de terrenos florestais que, um dia, acordam para ver que as árvores foram abatidas sem a sua autorização. Por isso, quer alterar a lei
José Serra não quis acreditar quando viu as árvores do seu terreno na serra da Lousã serem abatidas por uma empresa de exploração florestal, vulgo madeireira, sem que o tivesse autorizado. Soube mais tarde que não tinha de o autorizar: à empresa bastava apresentar ao Estado um documento, designado Manifesto de Corte, para “descrever o corte (...) e registar as operações que vai fazer”.
“Portanto, eles têm de submeter apenas um Manifesto de Corte, que é um documento em que dizem que vão cortar e de onde é que vem a madeira e para onde é que vai a madeira, e não precisam de comprovar a legitimidade desse corte, ou seja, não precisam de apresentar nem o contrato com o proprietário, nem sequer precisam de apresentar um documento que valide que aquele proprietário que assinou é efetivamente o dono da floresta”, elucidou José Serra numa audição parlamentar na Comissão do Ambiente e Energia, em 26 de junho do ano passado - quase um ano depois de ter lançado uma petição pública “Pela Preservação das Florestas e dos Ecossistemas em Portugal”, que reúne quase 20 mil assinaturas, e que vai ser debatida e votada esta quinta-feira em plenário na Assembleia da República.
Domingos Patacho, engenheiro florestal da Quercus, explica à CNN Portugal que basta ir ao site do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF) e comunicar que “quer cortar umas árvores e é como se ficasse automaticamente validado, mesmo não sendo o proprietário” do terreno que vai ser intervencionado. “Ou seja, o Manifesto de Corte não implica a posse do terreno onde vai atuar”, complementa Paulo Pimenta de Castro, dirigente da Acréscimo, Associação de Promoção ao Investimento Florestal.
José Serra acredita que, como ele, “há dezenas e dezenas de casos por todo o país” de proprietários de terrenos que, um dia, acordam para ver que as árvores do seu terreno estão a ser abatidas sem a sua autorização. Na verdade, segundo Paulo Pimenta Castro, o mais comum é aperceberem-se disso posteriormente, já que muitos terrenos foram herdados ou comprados por emigrantes, por exemplo, que costumam estar ausentes. “E nós sabemos que, no caso da agricultura, os proprietários, geralmente, têm de estar junto à terra, porque as colheitas são mais exigentes. No caso da floresta, em que, de facto, as árvores crescem por uma ou duas décadas, muitas vezes a pessoa só lá vai de vez em quando. E, em certas alturas, confronta-se com este problema. Mas vai fazer queixa a quem? Quando é que a madeira saiu dali? São sempre problemas que se põem, geralmente, nos terrenos de posse florestal. Muitas vezes corta-se de alguém que autorizou o corte e leva-se a do vizinho também. Enfim, são situações que ocorrem”, concretiza o dirigente da Acérrimo.
A esta situação acresce o facto de não existirem dados estatísticos sobre a floresta em Portugal. O Inventário Florestal Nacional, que Paulo Pimenta Castro apresenta como “uma espécie de censos às florestas”, só é atualizado de 10 em 10 anos, sendo que o último data de 2015 - uma janela temporal que o ICNF justifica por permitir “monitorizar a evolução dos espaços florestais”. Este inventário reúne os dados sobre “a abundância, estado e condição dos recursos florestais nacionais”, como “as áreas, o que é que existe de cada espécie, mas também os volumes disponíveis de madeira ou de cortiça que possam ser utilizados sem pôr em causa a sustentabilidade das florestas”, explica o responsável da Acérrimo.
“Não nos podemos dar ao luxo de ter inventários de 10 em 10 anos no país que mais arde na União Europeia”, argumenta Paulo Pimenta Castro, acrescentando que, devido a essa falta de informação, “não sabemos se estamos a cortar a mais do que aquilo que deveria ser cortado”.
“A sensação que nos dá é que estaremos a cortar muito acima daquilo que seria a possibilidade sem pôr em causa o sistema” da sustentabilidade florestal, observa o responsável.
Domingos Patacho reconhece que, nos últimos anos, tem vindo a verificar-se “uma intensidade de cortes rasos em muitas áreas”, que atribui ao aumento da capacidade industrial. “Ou seja, há mais fábricas a precisarem de madeira e isso nota-se, porque, além das serrações tradicionais e das fábricas de celulose, nota-se que há muitas fábricas, principalmente de pellets, para energia, que consomem toda a madeira que conseguem comprar”, independentemente da espécie, complementa.
"Um atentado ambiental" em plena Serra da Lousã
No caso de José Serra, o terreno faz parte de uma área protegida enquanto Reserva Ecológica Nacional e Rede Natura 2000, uma rede ecológica europeia onde se inserem “áreas de importância comunitária para a conservação de determinados habitats e espécies” e onde, por essa razão, “as atividades humanas deverão ser compatíveis com a preservação destes valores”, segundo o ICNF. É ali que a Silveira Tech, empresa fundada por José Serra, está a desenvolver um projeto de turismo “regenerativo” que promete revolucionar a Serra da Lousã.
Além do terreno da Silveira Tech, também uma parte dos terrenos da Câmara Municipal foi intervencionada, segundo a autarquia. Após várias deslocações da GNR, dois embargos administrativos e uma queixa-crime por parte da autarquia, nada impediu o corte das árvores na Serra da Lousã. José Serra fala num “atentado ambiental” com “um corte superior a 130 hectares de floresta com dezenas de décadas de crescimento”.
“Há dúvidas sobre a legitimidade legal de compras efetuadas. Houve invasões de propriedades públicas e privadas. As estradas abertas em Rede Natura não foram repostas e não foi replantada uma única árvore”, refere-se na petição pública que será discutida esta quinta-feira.
Os especialistas alertam para as consequências do corte raso (o abate de todas a vegetação numa determinada área) de grandes manchas florestais na Serra da Lousã, em particular, já que, sendo uma encosta com “um grande declive”, fica muito exposta à chuva e, portanto, aos efeitos da erosão. Quer isto dizer que, “quando chove com maior intensidade, a água não é intercetada pelas árvores, é arrastada superficialmente pelas linhas de água e pode provocar enxurradas”, explica Domingos Patacho.
No verão, acresce o risco de incêndio, uma vez que, após o corte, restam os “sobrantes da exploração”, os ramos, que “ficam acumulados na terra”, explica o engenheiro florestal. “Depois, as folhas em vez de ficarem verdes secam, e portanto quando há um incêndio pode também rapidamente propagar aos terrenos vizinhos”, acrescenta.
Quanto maior a dimensão do corte raso, maiores os perigos, sublinha Paulo Pimenta Castro, referindo-se também à emissão de gases com efeito estufa, uma vez que, diz, “o solo a descoberto é um solo emissor de carbono”.
“O que acontece é que em Portugal não existe uma lei que exija uma área mínima de corte raso. Há países na Europa de Leste em que apontam que áreas superiores a 1 hectare, que é mais ou menos a área de um campo de futebol, não devem ser cortadas no mesmo ano que é para não haver grandes áreas descampadas. Mas cá em Portugal não existe esse limite, não existe na lei nada que diga que não se podem fazer grandes áreas de corte raso”, sublinha Domingos Patacho.
"A impunidade só existe porque a lei a permite"
Em declarações à CNN Portugal, quase dois anos depois do lançamento da petição, José Serra conclui que “é muito fácil cortar árvores em Portugal” e acredita que a solução passa por alterar a lei da gestão florestal.
A empresa de exploração florestal em questão nega que o corte de árvores tenha sido feito de forma ilegal. Para José Serra, “a questão não está nas empresas madeireiras”, que se limitam a cumprir a lei. “A impunidade só existe porque a lei a permite. (...) Se ninguém exige uma autorização e só exige uma comunicação de corte, é isso que eles fazem. Acho que ninguém vai por caminhos mais difíceis do que aqueles que são exigidos”, argumenta.
Na petição que será discutida esta quinta-feira, José Serra enumera várias propostas para uma melhor gestão e preservação das florestas, desde logo a “eliminação definitiva” de cortes rasos em áreas protegidas e a replantação de todas as áreas cortadas de floresta em áreas protegidas, sendo que pelo menos 25% dessa área deve ser replantada com espécies nativas após cada corte.
Sobre a Manifestação de Corte, José Serra sugere a verificação, por parte do ICNF, da legitimidade dos contratos e dos instrumentos, de modo a garantir que “que quem quiser fazer um corte florestal tem de provar ou que é proprietário, ou que tem autorização-contrato do proprietário real daquele espaço para fazer esse corte”, explica à CNN Portugal.
Além disso, propõe-se ainda a “detenção e acusação por crime de desobediência” nos casos de violações de embargos administrativos de cortes florestais e o “aumento significativo” das molduras contraordenacionais em Rede Natura e Reserva Ecológica Natural. A petição sugere ainda a obrigatoriedade de pagamento de compensação pecuniária para reposição do coberto vegetal. “Ou seja, não é deixar as coisas como ficaram depois do corte, é efetivamente arrumar a casa depois de o ter feito”, explica José Serra, que propõe ainda a perda efetiva do alvará de exploração florestal, por parte do explorador singular ou coletivo, sendo que “deverão ser identificados os sócios com proibição acessória de exercício de exploração florestal no período não inferior a cinco anos”.
José Serra lamenta que em Portugal só se discuta a floresta no verão, na época de maior risco de incêndios, “tal como só discutimos as inundações no inverno, quando há chuvas”. “Ou seja, nós discutimos os problemas quando eles nos tocam de perto”, lamenta.
“Todos os anos repetem-se as mesmas coisas, os mesmos diagnósticos, as mesmas dificuldades de meios, as mesmas queixas sobre a gestão florestal. Mas é preciso tomar medidas”, argumenta, sublinhando que é disso mesmo que se trata esta petição. “O que nós estamos a pedir ao Parlamento e aos partidos políticos é que tomem medidas. Chega de falar, não vale a pena falar. Qual vai ser a autoridade dos partidos políticos para daqui a umas semanas falarem sobre a floresta, sobre os incêndios, se, tendo agora a oportunidade de alterarem a lei num dos aspetos importantes da gestão florestal, não tomarem nenhuma decisão?”, questiona.
Data: 3-07-2025
Fontes/Links:
Outros/Links:
https://www.agroportal.pt/peticao-limitar-corte-de-arvores-replantacao/
https://vaqueirinhoampv.blogspot.com/2025/07/ainda-o-assunto-do-corte-de-arvores-na.html
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